Leituras IX
Haruki Murakami é um romancista que não só vende milhões de livros, como ainda é aclamado e respeitado pela crítica, pelo que cada obra além de enriquecer o mundo literário consegue ainda ser um estrondoso sucesso nos escaparates das livrarias. Murakami não se prende a nenhuma fórmula literária, deixando a sua escrita fluir, em cada livro, de uma forma tão leve que chega a criar a ilusão de uma certa simplicidade. Quando na verdade, a densidade humana de cada uma das suas personagens é o que realmente importa nos seus livros, e o factor determinante para que sejamos cativados desde a primeira página.
Uma das principais críticas a este romancista, é o facto de nos seus livros, Murakami se prender muito ao modo de vida ocidental e até à própria literatura ocidental, em detrimento da cultura nipónica. Ora, pessoalmente, creio que são as experiências pessoais de cada um que influenciam aquilo que escrevemos e não o facto de termos nascido "cá ou lá", pelo que o facto de Murakami ser um romancista influenciado pela literatura americana, pela beat generation, como também pela nouvelle vague, é inevitável que tais factos não se traduzam na sua obra. A diferença, seja na literatura, seja na música, seja no que for, é sempre positiva, nem que seja por ser mais uma opção de escolha. E neste caso concreto, ainda bem que Haruki Murakami ousa em ser diferente, todos temos a ganhar.
Sputnik, meu Amor, é provavelmente o melhor título que Murakami poderia ter encontrado para este livro, e isto porque, é inevitável não concluirmos que as três personagens do livro giram na órbita umas das outras como se fossem satélites artificiais, como que o centro gravitacional que as prende a este mundo girasse na obsessão amorosa que alimenta este triângulo. Por um lado temos Sumire que ambiciona ser escritora e que se apaixona por Miu, uma mulher que fez fortuna na importação de vinho e que encerra em si alguns segredos. Por outro lado temos um amigo de Sumire, que a ama em segredo, e que é o narrador neste livro. Acresce ainda que "sputnik" é a palavra russa para "companheiro de viagem", pelo que não deixa de ser curiosa a ressonância que o título tem em toda a história, pelos caminhos que vão sendo trilhados na busca de um sentido para o mundo, para nós próprios.
"Na primavera dos seus vinte e dois anos, Sumire apaixonou-se pela primeira vez na vida. Foi um amor intenso como um tornado abatendo-se sobre uma vasta planície -, capaz de arrasar tudo à sua passagem, atirando com todas as coisas ao ar no seu turbilhão, fazendo-as em pequenos pedaços, esmagando-as por completo. Com uma violência que nem por um momento dava sinal de abrandar, o tornado soprou através dos oceanos, arrasando sem misericórdia o templo de Angkor Vat, reduzindo a cinzas a selva indiana, tigres e tudo, para depois em pleno deserto pérsico, dar lugar a uma tempestade capaz de sepultar sobre um mar de areia toda uma exótica cidade fortificada. Em suma, um amor de proporções verdadeiramente monumentais. A pessoa por quem Sumire se apaixonou, além de ser casada, tinha mais dezasseis anos do que ela. E, devo acrescentar, era uma mulher. Foi a partir daqui que tudo começou, e foi a partir daqui que (quase) tudo acabou."
Um livro que começa assim ... nunca acaba quando se fecha.
1 Comments:
De todos os livros de Murakami que já li (só me faltam dois) este é o mais leve, o mais fácil de se ler... mas contém a mesma essência e a mesma envolvência do "Kafka à Beira-mar" e a "Crónica do pássaro de corda"...
Lê-se num suspiro, mas vive-se numa vida!!
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