Leituras VIII
Devo dizer que estou a sentir algumas dificuldades para escrever o que quer que seja sobre este último livro de José Saramago. E a principal delas, é sem dúvida o facto de já o ter lido há algum tempo atrás, diria mesmo há uns 2 meses, pelo que o tempo passado já se encarregou de apagar alguns pormenores que na altura me pareceram importantes partilhar.
Ainda assim, e antes de falar da obra propriamente dita, devo dizer que depois de José Saramago ter recebido o Prémio Nobel, não houve nenhuma das suas obras que me entusiasmasse tanto quanto esta. Não que eu não tenha gostado da Caverna ou até mesmo do Homem Duplicado (até gostei bastante), mas chegava ao final dos livros com a sensação que faltava qualquer coisa com o "sabor" a Saramago. Nem sei bem como explicar, mas por exemplo quando li o Memorial do Convento, o Ensaio sobre a Cegueira, o Evangelho Segundo Jesus Cristo, eu não conseguia pensar em mais nada a não ser nos livros que estava a ler, era completamente absorvida pelas histórias, uma entrega que me fazia deitar e acordar a horas impróprias só para poder ler mais um pouco. E agora, com "As Intermitências da Morte", eu voltei a reencontrar o Saramago que tanto gosto, e que faz com que seja um dos meus autores de eleição.
Este livro, começa logo com uma ideia fabulosa, a morte (e nem me atrevo a escrever com "m" maiúsculo, quem leu ou vier a ler o livro, entederá muito bem porquê) que deixa de matar sem que haja alguma razão para isso. Uma morte que se personifica na sua forma de ser e que se apaixona, como o mais comum dos mortais. A morte a maior verdade da nossa vida, e que nós tentamos a todo o custo mitigar, aparece aqui despida das suas vestes sombrias, e desperta em nós até uma certa simpatia e curiosidade.
Saramago foi, a meu ver, pela forma como abordou o tema "morte" absolutamente soberbo. Numa primeira parte do livro, faz referência às questões práticas sobre a inoperância da morte, como o que fazer aos corpos dilacerados que não morrem e permanecem em constante agonia, os idosos que se encontram demasiado cansados para continuarem a viver, como suportar o sistema de reformas e pensões, etc. e tal. Na segunda parte, passamos a viver cada página com a morte propriamente dita, assitimos aos seu diálogos, às suas dúvidas, às suas certezas, ao seu enamoramento por um violoncelista, à forma como se compadece com a dor humana, procurando humanizar um pouco a maneira como trata as pessoas, avisando-as com uma semana de antecedência sobre a sua morte através de uma carta de cor violeta (o que é capaz de ser um pouco assustador).
Um livro que acaba tal como começa, como se de um ciclo se tratasse. Mas também tem sido assim desde os primórdios dos tempos, a vida sucede à morte, assim como a morte sucede à vida. Um livro onde todos nós nos reencontramos, não com a imagem tradicional da morte que nos apavora, mas com uma morte que até é capaz de se apaixonar e chorar.
Tu, que te havias habituado a poder o que ninguém mais pode, vias-te ali impotente, de mãos e pés atados, com a tua licença para matar zero zero sete sem validez nesta casa, nunca, desde que és morte, reconhece-o, havias sido a esse ponto humilhada. Foi então que saíste do quarto para a sala de música, foi então que te ajoelhaste diante da suite número seis para violoncelo de johann sebastian bach e fizeste com os ombros aqueles movimentos rápidos que nos seres humanos costumam acompanhar o choro convulsivo, foi então, com os teus duros joelhos fincados no duro soalho, que a tua exasperação de repente se esvaiu como a imponderável névoa em que às vezes te transformas quando não queres ser de todo invisível. (...) talvez as cousas que sucedem no mundo se expliquem pela ocasião, por exemplo, o luar deslumbrante que o músico recorda da sua infância teria passado em vão se ele estivesse a dormir, sim, a ocasião(...)
4 Comments:
Olá, Mónica
Devo-te dizer que as observações que fizeste sobre a última obra de José Saramago, Intermitências da Morte, são muito interessante. O próprio tema do livro parace ser interessante.
Eu, pessoalmente, não gosto muito do estilo da escrita saramaguiana. Acho-a algo aborrecida e que não cativa o leitor. Contudo, o sucesso do escritor vem contrariar a minha opinião. Li o Ano Da Morte De Ricardo Reis, achei a história interessante, mas aquele tipo de escrita não me atrai. Mesmo assim tenho curiosidade em ler Ensaio Sobre A Cegueira, dizem que é muito bom.
Beijos
Por acaso, ando a ler O Ano da Morte de Ricardo Reis, e estou a gostar imenso da história. E apesar de só ir a metade, quer-me parecer que este é o livro de Saramago em que mais se sente todo o potencial e esplendor do seu espírito criativo. Daqui a uma semana, espero poder postar a minha impressão final sobre o livro :)
Obrigada Miguel, pelos teus comentários, são um feed-back muito importante neste meu blog.
Where did you find it? Interesting read » »
Excellent, love it! » » »
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