Leituras VII
A forma como Nick Hornby se apresenta neste livro é absolutamente prodigiosa, não só porque consegue falar na 1.ª pessoa por quatro personagens completamente diferentes entre si, mas também porque consegue falar do suicídio, sem o fazer de uma forma sombria e negativa. Aliás, Hornby pincela aqui e ali alguns momentos humorísticos, precisamente para desanuviar o enredo, que por vezes se torna demasiado sério.
Há que reconhecer que o talento de Hornby para a descrição de comportamentos humanos melhora de livro para livro, e que neste atinge um patamar, com que muitos escritores sonham mas poucos alcançam. O que me parece um óptimo motivo para que ser lido.
Estamos perante a história de 4 desconhecidos. Martin, um apresentador de TV que após a condenação por ter relações sexuais com uma miúda de 15 anos, acaba por perder a família, a carreira, a vida estável que tinha, caindo em desgraça. Maureen, uma mulher de meia idade e mãe de Marty que é deficiente profundo. Jess, uma rapariga adolescente bastante inconstante e inconsequente nas suas acções. E JJ, um músico falhado e sem ambições. Os 4 encontram-se, na noite de Ano Novo, no telhado do Toppers' House, um dos edíficios mais altos de Londres (e lugar bastante comum entre os suicidas, devido à sua altura), quando estão prestes a suicidar-se. Contudo, a inibição de o fazerem à frente uns dos outros, leva-os a passarem o resto da noite juntos, partilhando as histórias das suas vidas.
A acção a partir desse momento é alimentada por uma série de peripécias em que as personagens parecem estar ligadas entre si por cordas, onde um leve puxão com mais força, pode colocar em perigo o ténue equilíbrio que existe nas suas vidas.
"E de repente, por um momento apenas, senti-me bem. Também ajudou o facto de adorar Guiness fria; ajudou o facto de eu amar verdadeiramente o Ed e a Lizzie. Aliás, ter amado, ou quase os amar, ou amá-los e odiá-los, ou seja lá o que for. E talvez pela primeira vez nos últimos meses, reconheci uma coisa, uma coisa que estava escondida nas minhas entranhas, ou no fundo da minha cabeça - pelo menos, num lugar onde podia ignorá-la. E o que reconheci foi o seguinte: eu não me tinha querido suicidar por odiar viver, mas antes por amar viver. E a verdade é, acho eu, que a maior parte das pessoas que pensam suicidar-se pensam o mesmo - acho que foi assim que se sentiram a Maureen, a Jess e o Martin. Eles amam a vida, mas a vida deles está toda lixada, e foi por isso que os conheci, e é por isso que ainda estamos todos cá. Fomos até ao telhado porque não conseguíamos encontrar maneira de a recuperarmos, e como estávamos tão fora dela ... Isso dá mesmo cabo de nós, meu. Por isso, é um acto de desespero, e não de niilismo. É matar por piedade, e não assassinar. (...) E não sei que diferença faz, este clarão súbito. Eu não queria propriamente agarrar a vida num abraço apaixonado e jurar nunca mais a abandonar até ela se ir embora. De certo modo, isso ainda piora mais as coisas, não as melhora. quando paramos de fingir que tudo é uma merda e só queríamos era livrar-nos dali para fora, que é a história que ando a contar a mim próprio há algum tempo, as coisas tornam-se ainda mais dolorosas. Dizermos a nós mesmos que a vida é uma merda é um anestésico, e quando paramos de tomar o analgésico deixamos de saber como nos dói e aonde, e esse tipo de dor também não faz lá muito bem às pessoas."
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